Nevava muito naquele fim de tarde e eu já estava sem fôlego, mas faltavam ainda três quadras para chegar ao ponto. Naquela semana eu havia perdido o streetcar umas três vezes, e eu não estava com nenhuma vontade de me atrasar de novo para a aula. Apertando o passo ainda mais eu consegui finalmente chegar, mas apenas para ver o fundo do trem se afastando na direção que eu deveria tomar. Então, puto da vida, eu sentei no banco e fiquei esperando o próximo chegar.
A neve apertava cada vez mais, e olhando para o horizonte, só se via uma grande mancha branca. O bom é que, e eu ainda não sabia o porquê, quando nevava muito assim, a temperatura não abaixava muito, e era suportável ficar ali sentado, esperando. Mas algo naquele momento me incomodava. Ao meu redor, pessoas, que também estavam à espera, se aglomeravam. Mas isso era normal, cotidiano. O que não era usual era eu prestar atenção nas feições dessas pessoas: embrutecidas, pálidas, e principalmente, vazias. Aquilo me fez começar a refletir. Todas essas pessoas estavam indo para algum lugar, com objetivos na mente, com problemas, com sonhos, com expectativas, mas no fundo, e bem no fundo, com aquela resignação de quem já viveu o suficiente para saber que a vida é só sofrimento e ilusão. Aquilo mexeu comigo, muito, e eu comecei a pensar que eu não queria me tornar daquele jeito, mas que eu estava tomando aquela estrada, assim como todo mundo, e isso era quase inevitável.
Enquanto essas idéias iam povoando minha mente, mais pessoas iam chegando, e a cada rosto que eu olhava mais assustado eu ficava. Isso não estava certo, não era assim que as coisas deveriam ser. Com certeza existiria outro modo de viver. Logo me veio à cabeça algo que meu professor havia me dito, sobre um amigo dele que vivia viajando pelo mundo, com uma mochila nas costas, e sem preocupação nenhuma. E eu fui lembrando os livros que eu havia lido naquele ano, que exaltavam a liberdade, e onde a utopia da natureza me fazia acreditar que a volta a esta era a resposta para os problemas humanos.
Então, de repente, tudo ficou muito claro para mim, eu deveria sair pelo mundo, pegar a estrada, e esquecer tudo. Não mais problemas, não mais ansiedades, não mais dor de cabeça, simplesmente me deixar levar pelo acaso, e viver na simplicidade.
Eu olhei para o final da rua, nenhum streetcar vindo. Era isso então, eu não iria mais para a aula, eu iria sumir, e ser feliz. Veio-me à mente o caminho que eu precisava tomar: Seguir a Bloor até a Roy’s Square, pegar a Don Valley, e sair pela ON-401, em direção à Quebec, e depois, à Newfound Land. Lá eu poderia voltar às minhas origens, às origens do ser humano, e viver tranquilamente.
Eu levantei, fechei a blusa, respirei fundo, e tomei impulso para andar em direção à bloor. Depois de dar o primeiro passo, eu comecei a ser empurrado na direção oposta. O streetcar havia chegado, e as pessoas tentavam de todo o jeito conseguir entrar. Como eu estava muito perto da porta, antes de eu perceber eu já havia entrado, e estava sendo empurrado para o fundo. Meio desnorteado, eu me sentei na ultima fileira de bancos e fiquei olhando as pessoas se apertarem dentro no trem.
Assim que o streetcar começou a andar eu fixei meu olhar no ponto de parada, e conforme esse ia se distanciando, aquela idéia boba e romântica de sumir na estrada ia se distanciando também. E quando eu cheguei na escola, nada havia na minha mente senão a culpa te der me atrasado mais um dia.
Achei bem massa, mas eu já tenho um ponto de vista diferente.. A volta à natureza assim repentinamente seria algo impossível de acontecer, porque discordando de Sócrates nesse ponto, mesmo tendo a razão como controle de nossas vidas, somos apenas animais e animais bem fracos ainda.. Então com a volta à natureza assim, nua e crua, tente encarar uma onça frente a frente, no way.
ResponderExcluirEntão eu realmente acho que temos que ter tecnologia, mas não essa da sociedade moderna, e sim apenas técnicas para melhoria da vida e harmoniosa com a natureza. Roupas para não sentir frio, uma lança pra se proteger, isso já é uma forma de tecnologia.
Então eu acho sim que temos que retornar à natureza, mas nua e crua não vai rolar.
Muito bom. A linguagem é bem coloquial, mas isso dá um tom natural, jovial, premente, e se presta bem ao objetivo de demonstrar a angústia do narrador na sua dualidade entre enquadrar-se, e rebelar-se.
ResponderExcluirInteressante tam bém como até mesmo o desejo de "sumir" é embotado de planejamentos e roteiros... como se fosse impossível sair de um modus operandi ao qual a sociedade está conformada e presa. Há, sim, o desejo de fuga, mas também a formação de uma solução de compromisso super neurótica que não permite atuar o desejo. Antes é arremessado de volta para a rotina e o roteiro preestabelecidos.
Muito bom. Muito bom, mesmo.
Vejo o desejo de retorno ao primitivo como um mecanismo contrafóbico. Tão radical que não tem a menor chance de acontecer, o que garante a manutenção do conhecido, por mais que o oposto possa parecer atraente.