3.14.2010

Capítulo 2 - Mais do mesmo [caminho]

Subi as escadas da escola e cheguei à sala, apenas para achar a porta fechada. A aula já havia começado e, como não era a primeira vez que eu me atrasava, não tive coragem de entrar e reforçar o que todos já pensavam sobre mim. Como os computadores estavam desocupados, resolvi economizar alguns dólares de lan house e me sentei em frente a uma das máquinas. Já era sexta feira, e o cansaço da semana de trabalho se acumulava sobre meus ombros sujos de tinta. Decidi que merecia um descanso e não iria ler nada em inglês. Mantive-me firme a essa decisão por longos cinco minutos, até o momento em que pensei no investimento de tempo e de dinheiro aplicados em cada minuto de minha estadia internacional. Derrotado, entrei na wikipedia em inglês para perseguir meu mais recente passatempo: mitologia grega. Li um pouco sobre a Ilíada e sobre as magníficas habilidades de seus heróis. Por algum tempo fiquei deslumbrado com tudo aquilo. Mas isso nao durou muito. Duas coisas me ocorreram durante essa trivial pesquisa on line: primeiro, que os deuses gregos eram quase como homens modernos. Seus motivos, com grande frequência, eram totalmente egoístas, e suas vontades regiam o universo. A diferença era que seu universo era estático, determinado, e a única vontade que movia o cosmos era a dos deuses. A segunda era que nós, mortais, havíamos destruido esse mundinho. Qualquer arma de 100 dólares mataria Aquiles, e a internet, então, humilharia Hermes. Nós somos os deuses agora, e nós criamos a nossa realidade. Dinâmica e em constante construção. Eu me orgulhava de mim mesmo por ter sido tão filosófico.

Depois de duas horas de leitura e da segunda epifania do dia, caminhei em direção ao metro, enérgico. Como pude ser tão fraco? - E um sorriso me escapava do rosto enquanto seguia em frente, totalmente desatento do resto do mundo - Amanhã mesmo eu ponho minhas merdas na minha mochila, e parto para um mundo ainda mais meu.

Acordei, e era sábado. Fazia sol no último dia de minha infância.

6 comentários:

  1. Isso é ótimo! Acho que o protagonista ganhou uns impulsos novos, mas é natural, visto que sob a pena de um segundo escritor. É dessa multiplicidade de penas que eu desconfio que pode surgir um ser humano - um personagem que rompe a literatura e a ficção.

    O personagem tem faces ótimas e faces repugnantes. As conclusões dele são ótimas, especialmente a segunda. Mas quando se orgulha, de si para si, por ter sido "tão filosófico", confessa sua pequenez. Ele se vê pequeno, se vê simplório; se entendende enquanto adolescente.

    O texto todo é ótimo, mas vai ganhando um granulado poético e requintado conforme progride. Os dois últimos parágrafos são dilacerantes, fortíssimos.

    Ficou lindo, Felipe!!

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  2. É verdade. O protagonista ganhou uns impulsos novos, que é o que dá o empurrãozinho final pro abismo, ainda que aponte para o mesmo destino. Acho até que esse era um caminho natural do segundo capítulo. O primeiro apresentou o cenário e a problemática. O segundo teria que revelar mais a personagem do que o problema. Talvez a única mudança que eu tenha feito mesmo tenha sido no caráter desse destino: final ou intermediário.

    Valeu pelo comentário, Joe!

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  3. KKKK. É um compêndio de psicanálise, essa novela! Espetacular. O legal é que o protagonista já está fora do seu lugar ( no estrangeiro)e ainda assim, querendo fugir. E os paradoxos vão se somando: onipotência X impotência, obediência X rebeldia...
    Por que terá sido, ao fim do capítulo, decretado o fim da infância do protagonista? ocorrem-me duas hipóteses, mas... vamos esperar os próximos capítulos!!!
    Parabéns, Felipe: de aluno atrasado a poeta apocalíptico vc transitou com garbo e elegância.

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  4. muito bom felipe. Voce deu mais personalidade ao personagem. No primeiro capitulo foi apresentado o problema central, e vc se centrou mais na personagem, bem bacana cara!

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  5. Achei muito bom, eu estava sentindo a falta de conhecer melhor o personagem e então ele mostra um pouco mais do seu rosto no segundo capítulo...
    Muito boa também a viagem filosófica, trouxe grande conhecimento sobre a forma de pensar do personagem e deu continuidade a vontade de "sumir"...

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  6. Gostei do corpo que vc deu pro personagem fe. Vc e o fão se complemetaram na criação psicológica da personagem. Isso foi bem legal.

    Oq me pegou de surpresa foi o final, fiquei tempos pensando em como continuar a novela com esse final hehe. Mas, foi muito bom e completamente inesperado.

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