4.25.2010

Capítulo 8 - O valor da equação

Acordei meio suado, como de costume. O assento antes vazio ao meu lado agora abrigava um homem corpulento que roncava. Eu não o conhecia de algum lugar? The greatest gig in the sky sussurava de novo no meu ouvido, por qualquer coincidência - as músicas rodavam aleatoriamente. Tive a impressão de estar numa galera, na partição onde os escravos remavam como dínamos tristes; no convés, Brizo, áurea e poderosa sob a benção de Poseidon, descobria terras novas empunhando seu cetro e seu tridente, vislumbrando lugares, naturezas e criaturas incríveis. Toda uma realidade da qual eu seria refém, uma descoberta feita por outrem.

Lembrei da Clara, uma coreana da sala de aula. Os orientais escolhem nomes ocidentais quando vão para a gringa. Tive um pouco de saudades dela. Um monte de gente surgiu a partir desse sentimento, como se fosse injusto eu ter saudade só dela, como se eu devesse saudades à minha família, ou ao Eric, lá da república. Sei lá. Eram pessoas legais, talvez fosse justo eu ter saudade de todas. Resolvi pegar o sudoku. Quantas horas de viagem já haviam se passado? Minhas pernas doíam um pouco, mas não tive vontade de acordar o grandalhão. Ele segurava um livro aberto, deve ter dormido lendo. Estiquei o pescoço pra ler (o texto estava em inglês):

...o ser humano não vale nada: é uma equação que resulta em zero. Todo seu funcionamento se baseia em alimentar-se e expelir, ganho para o gasto. Assim, sua existência não tem valor - ou seja, vale zero. O que vale - se algo tem mesmo algum valor - é a equação em si.

Esbocei um riso de satisfação e olhei pra ele mais uma vez. De onde eu conhecia aquela barbona vermelha?

Um comentário:

  1. Muito bem, sr... "barbona vermelha", né? Gostei de como vc encaixou eric, a galera... Very clever!

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