5.01.2010

Capítulo 9 - Pitstop

Eu realmente não conseguia me lembrar de onde a conhecia. Mas eu tinha certeza que já a havia visto, me parecia muito familiar.

Varias imagens então começaram a vir à minha cabeça, como seu eu procurasse uma foto guardada na minha mente que me faria lembrar daquela barba. Os lugares iam-me passando assim como as paisagens, escondidas pelo preto do pano que cobria as janelas, iam passando lá fora e, antes que eu conseguisse me lembrar, o ônibus parou. O motorista anunciou algumas palavras às quais eu não prestei muita atenção, e saiu do ônibus. Algumas pessoas levantaram, meio sonolentas, e saíram também. Permaneci sentado por um momento, mas logo, agoniado, me levantei e saí para respirar um ar fresco.

Não havia uma nuvem sequer no céu. As estrelas brilhavam com toda força e uma lua cheia iluminava a noite fria. O verão já havia começado, mas a primavera ainda assoprava seus últimos suspiros. Voltei para pegar meu casaco e depois entrei no restaurante do posto. A pausa, que o motorista havia anunciado e que só agora eu tinha me tocado do que se tratava, estava para acabar e várias pessoas já haviam retornado para o ônibus. Pedi um café expresso e saí. Havia um banco do lado da porta, no qual eu me sentei e fiquei apreciando aquela noite deserta enquanto um vento gelado e revigorante corria pelo meu rosto.

Logo ao lado do restaurante estava estacionado um daqueles caminhões enormes e imponentes, com dois escapamentos subindo pela cabine, um de cada lado, e atrás um baú gigante, todo preto, e estranhamente sem nenhum logotipo estampado. Havia um homem gordo, corpulento e aparentando uns 50 anos agachado ao lado da roda dianteira, consertando alguma coisa. Mas o que chamou mesmo a minha atenção foi o fato do homem estar sem camisa - devia estar fazendo uns 5 graus. Meio intrigado olhei para o meu café, quentinho, fechei os olhos e tomei o último gole bem devagar, apreciando cada instante e sentindo aquele calor esquentando meu corpo por dentro. Antes de abrir os olhos novamente uma voz grossa e rouca ressoou pelo meu ouvido:

- Ei filho, você tem cigarro aí?

3 comentários:

  1. Massa! Curti o suspense do fim, o cara corpulento realmente impressiona e surpreende. Essa parada no posto é macabrona. Mas a galera já tá entrando no busão de volta...

    E, como já te disse pessoalmente, achei ótimo o modo como você lidou com as descrições nesse penúltimo parágrafo. Características verborrágicas são posicionadas como adjetivos com personalidade, tais como "aparentando uns 50 anos" dividindo espaço ali com os simplórios "gordo" e "corpulento", e o "estranhamente sem nenhum logotipo estamapdo" rachando quarto com "gigante" e "todo preto". Apesar de longos, soam como um palavrão só, como um adjetivo só. Muito bacana!

    Boa!

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  2. É muito, muito agradável ler o que vc escreve. É leve sem ser previsível, é coloquial, mas elegante. Sabe dosar o suspense... É, matematicamente, exato e simples sem ser rígido. Vc sabe conduzir o leitor por uma viagem intrigante, misteriosa, mas que oportuniza um pitstop tão interessante quanto deleitoso, repleto de sensações visuais, gustativas, climáticas... e afetivas. Sua cara!

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  3. Esse último gole de café deve ter sido o melhor que já bebeu, bacana demais!

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